Em uma visita para o Rio de Janeiro, visitando família em amigos para passar as festas de fim de ano tive uma situação que me fez pensar bastante.
Era sexta-feira e fomos à praia, então pelo fim da tarde começou a chover e precisávamos ir embora, mas adivinha só, todo mundo teve essa ideia e o trânsito ficou todo parado.
A pessoa que estava dirigindo sugeriu que a gente parasse em um lugar para aguardar o trânsito ficar mais tranquilo. Escolhemos um bar e ficamos lá. Depois de um tempo uma mulher se aproximou da nossa mesa com alguns chaveiros na mão e deixou na nossa mesa junto com um papel. No papel dizia que ela era deficiente auditiva surda e vendia chaveiros para se sustentar. Ela fez o mesmo em mesas próximas a nossa, depois de um certo tempo ela passou recolhendo nas mesas, então percebi que ela não tinha passado na nossa e estava indo embora. Peguei os chaveiros e fui até ela devolver. Como já tinha aprendido LIBRAS (link para explicação) com um amigo surdo do trabalho, tentei conversar com ela utilizando o que tinha aprendido. Eu disse para ela que havia esquecido os chaveiros com a gente, ela me agradeceu por devolver, na sequência perguntei qual era o sinal dela (surdos utilizam um sinal para identificar cada pessoa como um nome) mas ela não entendeu o que eu disse, então eu mostrei o meu sinal e mesmo assim ela continuava sem entender, depois disso ela me fez um sinal que não sabia LIBRAS muito bem. Ela perguntou se eu era surdo e eu disse que não, era ouvinte mas que tinha uma amigo surdo que me ensinou LIBRAS. Perguntei se ela conhecia Porto Alegre mas ela não entendeu o que eu tinha dito. Como não conseguia desenvolver a conversa eu agradeci pelo papo e cada um seguiu o seu caminho.
Aquela cena de ela me dizendo que não sabia LIBRAS muito bem não saiu da minha cabeça por dias. Eu achava que todo surdo sabia se comunicar por LIBRAS, afinal todos os que eu tinha conhecido sabiam. De volta a Porto Alegre e ao trabalho, encontrei com meu amigo surdo e expliquei a ele a situação e então ele me revelou uma verdade que me chocou. Aquela realidade, do surdo vendendo chaveiros pelos lugares é muito comum em Porto Alegre também pois a maioria dos surdos é bem pobre e reside em locais menos privilegiados. A mulher que eu encontrei provavelmente não sabia LIBRAS porque ela nunca teve acesso devido a sua condição financeira, estrutura familiar e outros privilégios na vida.
Sabe-se que existem no Brasil cerca de 2 Milhões de pessoas com Surdez profunda (IBGE/2015). Destes, 1 milhão tem idade entre 0–19 anos. Importante ressaltar que esta é a faixa etária escolar. Não obtive a informação de quantos estão matriculados em Escolas, mas posso imaginar que assim como demais minorias, essa também vive os mesmos “desprevilégios” que as demais. São as minorias dentro das minorias.
Então eu cheguei a conclusão:
O mundo é muito mais do que podemos ver através de nossas lentes
Queria agradecer as pessoas que me ajudaram a publicar esse texto revisando e me dando ideias.